Uma longa divisãoA long division
A modernização tem entre as suas características, um processo de divisão categórico do ser, onde as pessoas experimentam a vida de maneira segmentada e atomizada. Uma esfera da vida não dialoga, ou dialoga muito pouco, com a outra e, é quase uma exigência moral que “as coisas não se misturem”. Já na infância somos acostumados a sermos pelo menos dois tipos diferentes de ser, o aluno de um lado e o filho do outro. Na escola, além das matérias, aprendemos a sermos alunos, como se comportar, o que fazer, como se vestir, etc. tudo isso como aluno. Muitas vezes escutamos um “você não está na sua casa“como alerta para algum comportamento que desvie daquilo que é exigido e esperado pelos alunos.
No trabalho é imprescindível não trazer os problemas de casa, como se fosse possível viver sem história ou cotidiano, acordar sem lastro, como se o eterno presente fosse uma realidade. O fim da história já foi propagandeado pelos pensadores da economia total, cabe-nos acreditar nisso ou pensar e viver alternativas.
O sujeito dividido
O indivíduo que cresce dessas cisões vê, no convívio social, uma relação paradoxal, um convite ofensivo e/ou uma aceitação passiva, quando as coisas não tornam-se violentas (por violência entenda algo mais complexo que uma troca de socos). A falta de uma interface que o separe da realidade incomoda-o, digamos, “espiritualmente”, com esse incômodo metafísico ele voluntariamente se encaminha para algum personagem confortável, da sua longa série de divisões. Você pode ser ofendido como homem/mulher, mas foi digno como empregado/a, agiu covarde como marido, mas foi companheiro com seus amigos. O indivíduo fragmentado não consegue se encaixar em si mesmo, pois falta-lhe a condição para o encaixe, estar em equilíbrio.
A tecnologia como suporte da separação
No livro A Sociedade do Espetáculo, Debord diz em 1967 que “todas as forças técnicas da economia capitalista devem ser compreendidas como fatores de separações. No caso do urbanismo, o que está em jogo é o equipamento da base geral dessas forças, do tratamento do solo que convém a seu desenvolvimento, à própria técnica da separação”
Do planejamento do espaço, às vestimentas, passando pelos veículos, os computadores pessoais e os aparelhos de televisão, a tecnologia parece ser a ponta da lança na produção desse ser cindido e atomizado. Um ser que não consegue enxergar todo contexto, uma pessoa cada vez mais especializada e separada do todo.
Debord ainda diz n’a sociedade do espetáculo que: “esta sociedade que suprime a distância geográfica, recolhe interiormente a distância, enquanto separação espetacular.” Estamos cada vez mais reunidos, mas enquanto separados, assim, o senso de comunidade se esvai e todo tipo de absurdo é razoável, fica evidente a necessidade de uma comunicação e produção integradas, onde o conhecimento seja panorâmico e a comunicação seja horizontal.
A integração
A vida integrada onde você não consegue distinguir o que é trabalho do que é lazer parece um sonho para muitos, mas experiências coletivas de produção da vida tem mostrado resultados, mesmo no capitalismo mais separador e egoísta das crises. As comunidades alternativas, podem soar românticas e utópicas, mas estão cada vez mais misturadas com as outras formas de produção da vida. Não precisam ser estereotipadas em formatos hippongas ou experts na produção de retórica e ideias distantes da prática (as fábricas de ilusões), elas estão surgindo em cooperativas de senhoras do bairro, coletivos artísticos, editoras independentes, defensores de causas ambientais, bandas que resolvem tomar conta de si mesmas, etc.
Você começa a sentir uma vida integrada quando não precisa de porções separadas de vivências para compensar sua existência em determinada faixa de tempo, por exemplo quando você mesmo sem praticar yoga por um tempo, acaba se sentindo alongado ou quando você vive uma vida atarefada, mas não sente necessidade de ter um tempo pra si, pois todo seu tempo lhe pertence, porque você vive ele.