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Com muita velocidade, mas com alguma direção?

O automóvel é a mais controversa das invenções humanas, amado pelas indústrias, pela mídia e por boa parcela da população, alcançou o status de “sonho de todos”, desejo que é alimentado desde a mais tenra infância em crianças de todas as classes sociais e etnias. Transformando tudo e todos ao seu redor, do urbanismo, passando pela organização do trabalho à geopolítica mundial. O carro, sua história e suas consequências são os objetos de análise desse texto.

O sonho do fim dos conflitos de classe parece encontrar um momento suis generis quando patrões e empregados discutem sobre esses veículos, nessa hora não existe hierarquia, o sujeito pode andar de Transcol a vida toda, mas sendo um entendido no assunto, consegue defender um carro que custa 10 anos dos seus salários, com propriedade suficiente para desbancar outro sujeito, mesmo esse segundo tendo 3 carros na sua garagem.

Embora o automóvel seja amado e produzido em larga escala, ele é simultaneamente odiado por muitos. Mas por que uma invenção como tantas outras que auxiliam nossa espécie a se transportar, aumentando a velocidade e diminuindo o esforço, venceu esmagadoramente outras formas de locomoção?

O Deus Carro (um Deus egoísta)

Essa divindade que promete liberdade e aceleração, mas que em geral transporta pessoas através dos mesmos caminhos (casa-trabalho-casa ou casa-trabalho-bar-acidente/casa) e as aprisiona cada vez mais em engarrafamentos, tem uma explicação para ser onipresente.

Robert Kurz historiciza dizendo ser “um fato histórico que somente com o advento do automóvel e sua crescente produção em massa a moderna economia de mercado encontrou o seu símbolo. Encontrou também, ocupando todos os espaços, sua força sugadora de vida e de dispêndio de tempo, por intermédio da economia de tempo. A expressão “matar o tempo” é uma invenção capitalista. Nela se expressa quase todo o conteúdo da vida de todos os fetichistas do automóvel.”

A ferrovia poderia levar para diversos lugares e com as devidas derivações e conexões ampliaria as possibilidades de caminhos; ela também continha o espírito capitalista, pois foi seu mecanismo de motor a vapor que impulsionou a indústria e transportou por terra na escala que o capitalismo exigia, seus custos reduzidos de movimentação em curto prazo compensariam as despesas com a implantação, mas por que ela perdeu?

Kurz aponta algumas razões:

  1. A estrada de ferro se torna imperfeita somente para uma consciência reduzida à forma de uma partícula, o “átomo social”. O impulso de poder ir “para qualquer lugar” (que corresponde a “para lugar nenhum”), ou seja, de não depender dos trilhos e das paradas preestabelecidas, corresponde a uma mentalidade, por sua vez, determinada pelo arbítrio e bel-prazer.
  2. A estrutura do meio de transporte ferroviário baseia-se numa coletividade involuntária, tanto no simples fato de estar junto a outras pessoas durante a viagem, como no caráter aleatório desse encontro. Mas os seres humanos, caracterizados pelo capitalismo, são profundamente estranhos uns aos outros num sentido muito mais coercitivo do que pelo fato de não se conhecerem pessoalmente.
  3. Enfim, a ferrovia, do ponto de vista capitalista, possui uma mácula irrecuperável: a de ser necessariamente, também no aspecto econômico, um “bem público”.


O massacre do motor à combustão

Até as crianças introjetarem em suas mentes os perigos das vias de tráfego, acumulam-se vítimas infantis, as rodovias há anos contabilizam números próximos ou superiores as guerras. Os que saem vivos carregam marcas irrecuperáveis, como ex-combatentes e suas amputações e/ou paralisias. As exigências de entregas, o trânsito caótico e a velocidade matam 1 motoboy por dia em São Paulo. É senso comum acreditar que um motociclista é um suicida em potencial, mas ainda ignora-se coletivamente que o motorista de automóvel é um assassino em potencial. A indústria das próteses e cadeiras de rodas cresce junto com a automobilística e até a tragédia é capitalizada.

Automóvel e guerra são o mesmo lado da moeda, sejam pelos números similares de vítimas; pelos países que são invadidos com desculpas esfarrapadas, quando na verdade buscam-se reservas de petróleo; ou no que tange as origens de “avanços” tecnológicos surgidos ora da indústria militar ora automobilística, se confundindo e apoiando, em num mutualismo quase perfeito, não fossem as destruições provocadas.

O eterno sinal amarelo?

Os alarmistas ecológicos já previram alguns limites para essa indústria poluente, mas a capacidade da terra em se recuperar dos estragos ambientais e as tecnologias de reaproveitamento de materiais parecem adiar o sinal vermelho da ameaça ecológica. Independente dessa hora extra, os limites naturais (ferro, outros elementos de liga e petróleo) não são renováveis, mas isso não assusta uma indústria que só pensa em acelerar, mesmo sem direção. Não só a natureza aponta limites de escassez, mas o próprio trânsito asfixia-se, cada vez mais “a “mobilização total”, leva ao absurdo de um “engarrafamento total” (Kurz).

As escolhas, por mais que pareçam ser dos consumidores, já foram feitas na produção. Alto consumo, alta velocidade, baixa segurança, elevada poluição, etc. são “itens de fábrica”, cabendo ao usuário de automóveis a pseudo-impressão de escolha.

Por uma cidade menos automobilística

Enquanto a indústria e a propaganda parecem ignorar tudo ao seu redor, a sociedade sufocada com o trânsito se organiza, cada vez mais na transformação da cidade. As bicicletadas, caminhadas e bloqueios de vias não deixam de ser uma tentativa de se viver numa cidade menos automobilística.

Leonardo Prata

Vitória, 2012

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