Dimensões do Design: Gui Bonsiepe
O trabalho de Gui Bonsiepe está voltado principalmente para a teoria do design. Baseando em seu Diagrama Ontológico do Design, Gui Bonsiepe sintetizou o ato projetual definindo o campo de ação do design: a interface.
Diferente de Bernd Lobach, importante expoente da atividade que organizou o processo de design de acordo com as expectativas do empresário e do usuário, Gui Bonsiepe remodelou a imagem mediadora do design com a sociedade responsabilizando-o pela interação entre indivíduos e objetos. Assim, Gui Bonsiepe anulou interpretações simplistas que evidenciam demasiadamente o aspecto visual e os traços decorativos, segundo ele: cosmética.
O modelo metodológico registrado por Gui Bonsiepe é descritivo, composto pela macroestrutura de cinco etapas e pela microestrutura das subdivisões dessas etapas, chamadas de técnicas. Para Gui Bonsiepe, a interface é o domínio central do design, ou seja, ela é responsável pelo acoplamento estrutural do usuário com o objeto, estruturando a interação entre o corpo, a ferramenta e o objetivo da ação. Assim, o design realiza projetos que visam o controle da interface (perturbação) através da elaboração de projetos sistematicamente concebidos.
Segundo Bonsiepe, a interface é um meio que pode frustrar e irritar; que pode facilitar ou dificultar a aprendizagem; que pode ser divertida ou chata; que pode revelar relações entre informações ou deixá-las confusas; que pode abrir ou excluir possibilidades de ação-efetiva instrumental ou comunicativa. A interface revela o caráter de ferramenta dos objetos e o conteúdo comunicativo das informações. A interface transforma objetos em produtos. A interface transforma sinais em informação interpretável. A interface transforma simples presença física (vorhandenheit) em disponibilidade (zuhandenheit), explica Bonsiepe.
O Diagrama Ontológico do Design tangenciou as categorias (funções) de Bernd Lobach, porém, acreditando que essas categorias são inadequadas para captar o fenômeno das relações do objeto de design, Bonsiepe dispôs o seguinte fundamento: a interface é a categoria central que se liga a três domínios. O primeiro domínio é o usuário (agente social) que quer realizar uma ação efetiva. O segundo domínio é a tarefa que o usuário quer cumprir. O terceiro domínio é o artefato de que o usuário precisa para realizar uma ação. Temos que levar em conta que a interface não é uma coisa, mas o espaço no qual se estrutura a interação entre o corpo, ferramenta e objetivo da ação, complementa Bonsiepe.
Para explicar a relação que existe entre o objeto, o usuário e o meio, Bonsiepe utilizou as concepções dos teóricos Humberto Maturana e Francisco Varela que empregam o termo acoplamento estrutural. Esse termo resume a idéia de que somos sempre influenciados e modificados pelo que experimentamos. Sendo assim, Gui Bonsiepe integrou duas características à interface, essenciais, que sintetizam o processo de interação: a autopoiese e a autonomia.
A noção de autopoiese, explica o professor da Universidade Federal do Espírito Santo, Hugo Cristo, corresponde ao conjunto de operações internas à estrutura da unidade que são necessárias para sua própria sobrevivência. As unidades autopoiéticas seriam também autônomas, ou seja, operariam segundo leis definidas por elas mesmas com o objetivo único de autopreservação. Pesquisador de psicologia da computação, Hugo Cristo entende que é de fundamental importância esclarecer que não há arbitrariedade: a regulação da operação de cada unidade resulta de sua ontogenia e filogenia. Em síntese, podemos entender que determinadas leis de funcionamento foram selecionadas ao longo do devir de uma unidade autônoma por contribuírem para a manutenção da sua individualidade, completa o professor. A poiesis está diretamente ligada às dimensões orgânicas e à relação generativa do “ser”, como algo que não precisa ser compreendido, apenas notado e exprimido. Já a autonomia se liga à representação da expressão individual, segundo o contexto em que essa expressão se encontra.
Além de ancorar sua teoria no acoplamento estrutural da interface, Bonsiepe organizou sete características ou pontos relevantes que nortearam o objetivo do design como atividade. A primeira característica diz que o design visa à ação efetiva. A segunda afirma que o domínio do design é o domínio da interface. A terceira orienta o design para o futuro. A quarta característica relaciona o design à inovação. A quinta característica afirma que o design está linguisticamente ancorado no campo dos juízos, conseqüentemente, tem uma forte ligação com as ciências humanas, a sexta característica. Finalmente a sétima característica, que destaca o aspecto visual privilegiando pelo espaço retinal que é estimulado com maior freqüência, mesmo que as relações do corpo no espaço não se limitem somente ao sentido da visão.
Bonsiepe concluiu que o design flutua entre os domínios disciplinares, conectando-os para a consagração de um objetivo; o termo design se refere a um potencial ao qual cada um tem acesso e que se manifesta na invenção de novas práticas da vida cotidiana. Segundo o designer, esse objetivo pode ser de duas naturezas, de acordo com as ações exercidas pelo artefato: uma ação comunicativa, constituída por signos e informações, e outra instrumental de uso, que estão contidas num mesmo objeto, entrelaçadas. A interface permite que se revele o potencial instrumental tanto de artefatos materiais quanto de artefatos comunicativos, afirma Bonsiepe que explica que as ações são separadas apenas para facilitar a elaboração do modelo do produto. Enfim, o foco da teoria de Bonsiepe se mantém na autopoiese sistêmica de uma unidade (objeto), ou seja, na sua organização distinta de acordo com uma consciência (observador) e na sua interação com outros sistemas (acoplamento estrutural).
Bonsiepe reforçou a volatilidade dos domínios do design em grau de interdisciplinaridade que podem se manifestar em qualquer área do conhecimento e práxis humana. Por fim, as concepções discutidas em sua obra teórica, entre elas a responsabilidade social atribuída aos projetos de design, contribuiu para a criação dos termos Design Social, Design de interação (sub-disciplina do Design que estuda as ações do usuário em sistemas acoplados em artefatos tecnológicos), que dão visibilidade para o processo de transformação social que ocorre a partir da interação do usuário com objetos e signos. Sua contribuição massiva para a atividade o coloca em evidência entre os teóricos mais atuantes na matéria do design.