Varanasi – Parte 2/2
Ao longo dos dias que passei em Varanasi haviam várias missões a cumprir, afinal eram meus últimos dias na Índia. Precisava comprar presentes, mercadorias, instrumentos, roupas, temperos, enfim, o máximo que eu pudesse carregar.
A primeira missão era achar um Sitar que valesse à pena. Nos becos de Varanasi várias emboscadas: vendedores doidões de bhang, vacas, búfalos e suas bostas, macacos pivetes, lixo, pessoas, motos, casamentos, funerais… Tudo tem que ser feito com muita atenção e calma: Concentração Mental – fixação de objetivos. Primeira lição aprendida.
Zé Neto que foi um grande companheiro nessa andança em busca de instrumentos, tinha ficado sabendo de uma tal de Radhey Sharma, um Sitar Maker residente em Varanasi e que não tínhamos a menor idéia de como achá-lo.
Depois de muito rodar, bem fora do centro turistico da cidade, encontramos a oficina do Sr. Sharma.
Entramos, ele estava sentado montando os trastes de um Sitar que acabara de terminar. Muito paciente o senhor careca, de bigode e com a boca estufada do fumo que mascava, nos perguntou o que desejávamos.
– Estamos interessados em Sitars. Qual você tem aí?
Então pedi a ele que me mostrasse uma Vilayat Khan Style, pois estava tendo aulas numa sitar desse estilo, que é um sitar mais simples, com pouca decoração e com um som mais sóbrio, pouco estridente, e muito ressonante.
Quando toquei nessa, me encantei, ou ela se encantou por mim, não sei ao certo. Era maravilhosa de tocar. Como toda cítara nesse estilo, ela tinha um som calmo, relaxado, e pedia uma pegada mais intimista, sem firulas, sem embolação. “Era essa!” – pensei.
Saímos de lá iluminados. Eu tava pilhadaço, igual uma criança. Olhei para o Zé e disse: “Brother, quero mergulhar no Ganges agora!” – Ele rebateu: “Ahh, deixa pra amanhã…” – Eu interrompi – “Não cara, tem que ser agora. Senão for agora, não caio mais!”
Me sentia abençoado, na total vibration, era agora ou nunca. Chegamos na beira do rio, procuramos um lugar mais “tranquilo” (diga-se menos sujo), tirei a roupa e caí!
– GANGA RIVER!!! – Gritava e caía na gargalhada!
De repente ouço lá no fundo em alto e bom português: “Tinha que ser Brasileiro pra fazer isso!”
Era uma brasileira morrendo de rir e não acreditando que eu tinha feito aquilo. Poucos são os gringos que se aventuram a cair no Ganges de Varanasi. O rio é sujo? Muito. Como vocês podem assistir no vídeo no topo, eu dou uma dichavada na podreira antes de mergulhar. Mas algumas praias de Vitória devem ser bem mais imundas, fedorentas e poluídas por óleo de navios, dejetos industriais e de esgoto residencial.
No Ganges é possível encontrar corpos boiando em seu leito. Os bebês, sadhus e leprosos que não são cremados, são jogados ao rio juntamente com macacos, vacas etc… Contudo, são dejetos orgânicos. O rio os consome. É comum ver peixes saltitando e sapos ao redor. É muita vida. E é um rio que lava-se roupa, toma-se banho, excretam os mortos e dejetos de cinzas dos crematórios há mais de 3.000 anos. Camburi tem apenas 30 anos de siderurgia, e olha como que tá…
Acredita-se que quem é cremado e tem suas cinzas jogadas ao rio, atinge o moksha – ou a libertação do sofrimento causado pelo ciclo da vida e da morte, por isso os crematórios são um capítulo a parte.
Visitei dois: O Manicárnio e o Hari Chand. Muito movimentados, é proibido tirar fotos pois é um local extremamente sagrado pelos hindus. As vezes tem um clima pesado. A morte é uma coisa dura de se lidar pra quem continua vivo. Mas por outrora costuma-se ter uma festa quando alguém morre, e o corpo chega carregado pelos homens da família que entoam mantras e cânticos durante o percurso. O corpo é todo embalado em tecidos brilhantes, e é mergulhado no rio três vezes antes de ser incendiado.
Após o banho merecido, missão cumprida, era só relaxar num lindo concerto de dança, tabla, canto e sitar.