Modernismo: poesia quase visual
O Modernismo foi um movimento artístico heterogêneo que provocou mudanças significativas nas artes e na cultura do Brasil. O movimento envolvia a literatura de Mário de Andrade e Oswald de Andrade, a música de Heitor Villa-Lobos, a pintura de Anita Malfatti e Di Cavalcanti, e a escultura de Victor Brecheret, entre outros artistas. A Semana de Arte Moderna de 1922 é considerada o marco inicial do Modernismo
brasileiro que, concebido pelas artes plásticas e com forte presença literária, buscou uma renovação estética baseada nas vanguardas européias. Além disso, o movimento adquiriu um forte interesse pelas questões nacionais, principalmente a partir da Revolução de 1930, ou Golpe de 1930. A ruptura definitiva com a arte tradicional e com a escrita pomposa se deu de maneira escandalosa, entre vaias e aplausos.
A priori o Modernismo se opôs ao Parnasianismo, um movimento artístico coexistente que cultivava a poesia formal. Os modernistas propuseram uma renovação radical na linguagem e nos formatos. O pensamento importado da Europa se baseava na idéia de arte como um “processo universal” (índole internacionalista). A partir dessa idéia de produção cultural integrada e desenvolvimentista, os modernistas abandonaram a cultura rural estabelecida no Brasil negando o intimismo subjetivista presente nos romances. A intenção era elevar a cultura local para perto do progresso social dos países mais desenvolvidos.
No entanto, a economia brasileira dependia do mercado externo, principalmente do mercado europeu. A política nacional atendia somente a interesses locais das oligarquias (política do café com leite), e a sociedade estava dividida entre coronéis, explorados e cangaceiros. Esse contexto histórico conturbado exigiu uma nova postura dos artistas brasileiros diante da realidade – a busca por independência era inevitável.
Assim, o Modernismo buscou criar uma nova posição ideológica que condizia com o capitalismo industrial (comunicação de massa e avanço técnico), com as políticas imperialistas (totalitarismo) e com influência socialista. Entre os fatos artísticos mais importantes desse período estão: a publicação da “Revista Klaxon”, que divulgava as idéias modernistas, e o lançamento de quatro movimentos culturais: o Pau-Brasil (primitivista), o Verde-Amarelismo, Anta (nacionalismo ufanista), e a Antropofagia (devoração simbólica da cultura do colonizador europeu).
O Movimento Antropofágico lançado por Oswald de Andrade se destacou entre os demais movimentos pela proposta inovadora que prometia resolver os atrasos da nação, ou seja, avançar sobre a cultura do colonizador europeu. Essa era a estratégia de Oswald para despertar o país para o desenvolvimento de uma sociedade original, auto-suficiente e industrial. Foi um movimento criado a partir da imagem do quadro “Abaporu”, da artista Tarsila do Amaral. Segundo Oswald de Andrade, o quadro traduzia exatamente o conceito escrito por ele, como se houvesse uma integração natural entre um conceito verbalizado e a pintura, fato que materializou uma forma de relação da literatura com as artes plásticas no Brasil. Também podemos dizer que essa relação fortaleceu o movimento em seu conceito e assimilação, elevando o potencial político e midiático do movimento.
Para Oswald de Andrade, o ritual antropofágico dos “índios” brasileiros (Tupi e Tupi Guarani) era o exemplo a ser seguido pelos intelectuais brasileiros que deveriam “devorar” os avanços culturais e técnicos conquistados pelas nações ricas. “Só interessa o que não é meu; lei do homem; lei do antropófago”, concluiu o Oswald de Andrade em 1928. Um dos avanços mais interessantes na estrutura do poema de Oswald de Andrade foi a forma como a pintura se relacionou com um manifesto textualizado. Isso permitiu que a comunicação verbal se desdobrasse em outros sentidos, mais expressivos, independentemente da ordem de surgimento (quadro, manifesto, poema, música). Além disso, é importante destacar a utilização de uma nova dinâmica verbal revelada pelos “poemas-pílula” ou “poemas comprimidos“, de Oswald de Andrade, que tinham o poder de sintetizar séculos de história em alguns versos. Esses poemas ficaram marcados pela utilização do humor, da ironia e do deboche. De acordo com Philadelpho Meneses (1998), os “poemas-pílula” foram uma referência para a produção concretista iniciada em 1952, visto que representavam a mudança mais significativa na linguagem do poema brasileiro naquela época.
Infelizmente o contexto brasileiro se tornou mais hostil quando a Crise da Bolsa de Nova Iorque de 1929 e o nazifascismo foram instaurados provocando uma grave crise no Brasil. Desarticulado, o país acumulou prejuízos no mercado internacional por não conseguir exportar o seu principal produto. Talvez por isso, o Modernismo viveu uma nova fase a partir de 1930. Entre os artistas mais importantes dessa fase estão: Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles, Jorge de Lima, de Vinícius de Moraes e Murilo Mendes. A poesia dessa fase reagiu contrariamente aos caminhos propostos pelos artistas da primeira fase – a própria importância de Oswald de Andrade foi ofuscada. Isso ocorreu de duas formas: através dos romances regionalistas guiados pelo nacionalismo exagerado e xenófobo, e por meio da retomada da versificação e da temática lírica intimista.
Outra característica bem definida nessa fase foi a produção de poemas de questionamento, através de um estilo literário mais construtivo e politizado, atrelado às disputas do homem moderno e ao sentimento de “estar no mundo” – preocupações relativas ao destino dos homens. Também é possível notar a utilização da poesia sintética que tratava “da síntese para traduzir o pensamento”, segundo a poetisa Helena Kolody (1941). Um exemplo disso foi a utilização do Haikai, um estilo poético de origem japonesa que valoriza a concisão e a objetividade no poema.
Posteriormente, essa comunicação sintética foi bem aproveitada pelos concretistas e pela linguagem publicitária. O universo temático repercutiu na forma de crítica social e de autocrítica, mas o poema desse período não conseguiu atingir a condição de poesia visual, visto que o retrocesso da segunda fase modernista impediu que os poetas brasileiros experimentassem elementos gráficos na produção poética, ou que tomassem conhecimento do campo visual do poema.