Diário de Expedição1: Reserva Biológica de Sooretama
O Instituto Últimos Refúgios iniciou a série Áreas Protegidas através do lançamento do livro de fotografias e do vídeo documentário que expuseram a importância da Reserva Biológica de Duas Bocas para o Estado do Espírito Santo. Dando continuidade à série, começamos a pesquisar a Reserva Biológica de Sooretama,
que está inserida entre os municípios de Sooretama, Linhares, Jaguaré e Vila Valério. É o maior remanescente de Floresta Atlântica de tabuleiros bem preservado, representado pela Rebio Sooretama, Reserva Natural Vale, RPPNs Recanto das Antas e Mutum Preto, da empresa Fíbria Papel e Celulose, além de algumas áreas particulares contíguas.
A equipe do Instituto Últimos Refúgios esteve na reserva no final de junho para realizar a primeira expedição técnica ao local, a fim de produzir o plano de produção das futuras incursões na floresta. Dessa vez, também contamos com a participação dos observadores de aves Fabrício Vasconcelos e Mário Candeias. Confira a seguir o nosso diário de expedição.
Sábado, 22 de junho
A expedição começou com uma viagem de Vitória até a sede da Rebio de Sooretama, uma zona rural repleta de plantações de eucalipto, mamão, cacau, café e seringueira. A sede dispõe de cinco casas e uma grande área aberta que faz fronteira com a floresta. Há também um espaço que está sendo reflorestado com as mudas do viveiro da Reserva, como por exemplo, a muda da boleira, uma árvore que os visitantes podem ajudar a plantar. É possível encontrar muitas espécies de pássaros no ceveiro com frutas, de modo que o ambiente da sede é marcado pela sobreposição dos cantos do araçari-do-bico-branco, periquitos, saíras, guaxes e papagaios. De acordo com os especialistas em pássaros, o canto é uma característica muito mais confiável para o reconhecimento das aves do que a visualização direta das espécies.
Próximo ao nosso alojamento existe uma trilha que ficou conhecida como a Trilha do Tururim, uma espécie de ave que habita o chão da floresta. Quando caminhamos lentamente e atentos nessa trilha, conseguimos ver o tururim, o inhambu-anhangá e o jaó-do-sul, os tinamídeos da Mata Atlântica. Com um pouco de sorte, avistamos um casal de surucuá-do-peito-amarelo, o flautim-marrom, saguis-de-cara-branca e o caxinguelê, um esquilo bastante barulhento quando se sente ameaçado. À noite nessa mesma trilha, conseguimos atrair um grupo de pacas depositando mamão em um local estratégico para o registro desses mamíferos. Durante a reposição da ceva de mamão, esse grupo de pacas ficou a poucos metros da nossa equipe.
Terça-feira, 25 de junho
Reservamos a terça-feira para conhecer a Cachoeira Bom Jardim com o guia Moisés, que faz parte da equipe de vigilantes da Rebio. Ele disse que a cachoeira está seca, mas que lá foi visto o urubu-rei, animal ameaçado de extinção. Chegamos ao início da trilha da cachoeira e entramos na mata, que na verdade é uma capoeira ou mata em recuperação. A história conta que essa região foi devastada por uma grande queimada no início da década de 1990. Por isso encontramos muitos espinhos e emaranhados de arbustos, capim-navalha, cipós e trepadeiras e poucas árvores grandes. Ao final da trilha em um espaço parcialmente aberto avistamos um urubu-rei sobrevoando o pequeno vale de pedras. Contamos oito deles empoleirados em troncos secos mais altos. Haviam dois ou três filhotes que voavam entre três postos, seguidos dos adultos. Conseguimos um ótimo ângulo e registramos belas imagens! Depois, descendo na cachoeira seca, encontramos pegadas e fezes de anta, que foram coletadas para estudo da dieta do animal pelo Pró-Tapir (programa de monitoramento e proteção das antas da Mata Atlântica capixaba).
Retornamos para a sede onde ainda houve tempo para o monitoramento de um jaó-do-sul, uma ave que, nessa ocasião, estava acostumada com a movimentação de pessoas na reserva e por isso se aproximou sem se assustar. Já à noite em outra trilha na sede, nomeada Trilha Nova perseguimos um barulho na margem do caminho. Desligamos as lanternas e ficamos em silêncio para ver o que era. Lentamente um tatu-galinha cruzou a trilha na nossa frente e ficou farejando o ar por algum tempo antes de fugir.
Quarta-feira, 26 de junho
Na quarta-feira concentramos esforços na montagem de uma cabana no meio da floresta, conhecida como choça, utilizada para esconder os fotógrafos e facilitar a aproximação de animais. Através desse método conseguimos registrar o jaó-do-sul, mas no caminho também foram registrados o bico-assovelado e a galinha do mato. Em meio a essa incursão dois cães corriam na mata latindo. Parte da equipe que ficou no alojamento pôde ver o efeito disso quando um veado, possivelmente fugindo dos cães, descansou por alguns instantes no quintal do alojamento.
À tarde fomos conhecer a mata da Lagoa do Macuco. A paisagem da lagoa é linda, e existem muitas trilhas por lá, quase um labirinto com pequenas estradas. Estava bastante quente, e talvez por isso não avistamos os bichos. Retornamos mais cedo com o intuito de fazer uma “corujada”, uma busca por corujas utilizando o playback do canto delas, em uma região chamada Quirinão.
Seguindo de carro pela Estrada do Meio encontramos um grupo de antas, mas elas fugiram. Logo depois avistamos um cachorro-do-mato que zanzava na estrada. No percurso haviam muitas casas abandonadas devido às desapropriações que delimitaram a Reserva. Fomos até o final da estrada que termina em uma casa abandonada onde podemos dizer que era o local em que Álvaro Aguirre – engenheiro florestal e pesquisador que, a partir da década de 1930, atuou de forma perspicaz para a criação Reserva de Sooretama – costumava comer. Na volta os especialistas encontraram seguidamente três macucos empoleirados. Depois chamamos algumas espécies de coruja. Identificamos o som da coruja-do-mato e da murucututu-de-barriga-amarela, mas a densidade da floresta com emaranhados de cipós, galhos e árvores impediram a visualização e o registro delas. Por fim, já na madrugada, demos de cara com uma árvore caída no meio da estrada, de médio porte, que deu um grande trabalho para ser removida. Resolvido o problema conseguimos chegar na sede às 4 horas da madrugada.
Quinta-feira, 27 de junho
A quinta-feira foi de descanso, apesar de uma parte da equipe ter se posicionado na choça para registrar o jaó-do-sul, o inhambú-anhangá e o tururim, utilizando o recurso do espelho e apitos para “intimidar” as aves e tentar fazê-las cantar. Esses recursos realmente funcionam. Aproveitamos a noite pra registrar o grupo de pacas na Trilha do Tururim se alimentando. Usamos duas lanternas potentes e a câmera posicionada no tripé, além de um mamão como isca. O resultado foi excepcional.
Sexta-feira, 28 de junho
Faltando pouco tempo para o fim da expedição, fomos conhecer a Reserva Particular (RPPN) Cupido e Refúgio. Logo na entrada avistamos um grupo dócil de mutum-de-bico-vermelho, espécie rara, que caminhava próximo à casa do caseiro. Depois chegamos à um lago onde encontramos o surucuá-de-barriga-amarela. Iniciamos a trilha de cima esperando encontrar o inhambu-inhangá, a equipe foi na frente piando e observando, e um membro caminhou mais afastado varrendo a retaguarda. Por sorte esse membro conseguiu registrar o inhambú-inhangá atravessando a estrada. Piamos o seu canto e uma fêmea respondeu, mas não apareceu.
Seguimos por outra trilha perto da casa do proprietário da RPPN. Encontramos o surucuá-de-coleira, a tiriba-de-orelha-branca e tiriba-grande, o tucano-de-bico-preto e o anu-coroca. Também surpreendemos um quati que ficou acuado em cima de uma árvore. Retornanamos pelo pomar de cacau e seringueira até o local do mutum-de-bico-vermelho. No pomar avistamos um veado-mateiro que ficou imóvel por alguns segundos antes de correr saltando para a mata. Aproveitamos o dia para reabastecer, junto à equipe do Pró-Tapir, as bases de captura das antas, colocando sal para que se habituem a entrar na armadilha que só é armada para pesquisas organizadas. Voltamos para o alojamento ao anoitecer procurando uma espécie rara de bacurau, mas só conseguimos avistar uma coruja pequena de olhos bem amarelados.
Sábado, 29 de junho
A expedição se encerrou no sábado com mais uma incursão na choça, onde os fotógrafos puderam presenciar um combate territorial entre o jaó-do-sul e o inhambú-anhangá e um lindo pica-pau-de-cabeça-amarela.