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Cultura para existir, empreender e transformar

Dizem que a cultura empresarial tornou-se tão obcecada com a maximização de lucros a curto prazo que os funcionários não são mais considerados como pessoas, ou membros de uma equipe, em vez disso, eles são considerados como custos.

Resistentes à essa máxima, muitas pessoas desejam que as “nossas” empresas busquem uma maior vocação e finalidade – uma nova estratégia de interação e acoplamento com as pessoas; sentidos mais profundos que desencadeiem um absoluto senso de pertencimento; novos modelos associativistas e colaborativos; por fim, “empreendimentos criativos”. Nesse sentido, os coletivos são uma massa crítica de projetos piloto que experimentam a possibilidade de uma real mudança, de cunho cultural, na forma de empreender e entender o mundo.

Para a sorte dos agitadores dessa nova onda utópica que pretende reconfigurar a trama do tecido social através da dimensão cultural, a crise econômica culminada em 2008 funcionou como um filtro polarizador que nos permitiu enxergar as sutilezas, e principalmente revelar as fraquezas, de um sistema econômico saturado e sem propósito – um mercado paranóico, com excesso de personalidade.

Segundo a Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad), apesar de a crise financeira mundial ter provocado queda drástica de 12% no comércio internacional, as exportações globais de produtos criativos alcançaram US$ 592 bilhões, duplicando em seis anos, com uma taxa de crescimento médio de 14% no período de 2002 à 2008.

Observamos as “nações dominantes”, ameaçadas pela competitividade das nações superemergentes, rapidamente tratando de confirmar o poder exercido pela cultura sobre o mercado econômico globalizado por meio do lançamento da “economia criativa” – uma nova variável das equações mercadológicas que pretendem reconectar a dimensão econômica com as realidades sociais. Por conseguinte, os países “em desenvolvimento” endossaram essa nova característica do mercado.

Atualmente no Brasil, são R$ 110 bilhões anuais – R$ 735 bilhões, ou 18% do PIB, se considerada a cadeia produtiva. Os setores baseados na criatividade e na cultura estão tendo expansão superior à média, fato que chamou a atenção do Ministério da Cultura e movimentou as pastas do Ministério do Desenvolvimento e Ciência, Tecnologia & Inovação (MCTI), e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC).

De certo modo, isso quer dizer que as pessoas precisam criar novas interconexões com as instituições públicas, indústrias, as realidades dos processos de produção, os desafios de administração de uma fábrica ou de um sistema distributivo. Mas isso também quer dizer que precisamos de empresas que se perguntem como podem ser melhores servindo a sociedade – da mesma maneira que eu, como parte desse contexto, preciso me perguntar a mesma coisa. É certo que a parte de cada um é entender sua parte no todo!

Contudo, no mundo industrializado e complexo em que vivemos, o aprendizado sobre os benefícios da perspectiva coletiva é um desafio e tanto, uma vez que a posição social, financeira e profissional da maioria dos membros da sociedade é instável e fácil de ser perdida.

Entretanto, se a nossa identidade cultural competitiva devorar as estratégias criativas de inovação já no início do processo de cristalização ou sedimentação dessa nova variável econômica – e se as estratégias são tão fundamentais para a “navegação” dos empreendimentos – como poderemos sobreviver neste mundo hipermoderno que passa por rápidas e constantes transformações? Qual o custo biopsicosocial que aceitaremos pagar? Neste caso, porque não decidimos trabalhar mais em nossas culturas? Dedicar tempo aos nossos corações? Permitir que as experiências produtivas de indeterminação influenciem a nossa razão para existir e trabalhar com alguma saúde psíquica?

Pensando de maneira generalista, talvez os profissionais, formais ou informais, possam encontrar uma nova forma de atuar, mais significativa (como protagonistas), se eles perceberem que os respectivos empreendimentos estão contribuindo efetivamente para o desenvolvimento cultural da comunidade global – ou especificamente da a comunidade onde vive, reside ou trabalha, e, no caso dos coletivos, onde estruturam suas ações.

Por exemplo, imagine que você é um funcionário de uma grande empresa de alimentos que está promovendo ações sociais, a exemplo do envio de alimentos para as áreas em crise. Você é informado e convidado a participar, mas continua trabalhando em sua função com alguma consciência de estar trabalhando nesta empresa, apesar de não conhecer exatamente a realidade da “área em crise”, apesar de não saber o plano que motiva essa ação.

É provável que essa ação não tenha grande importância para você nem ganhe a devida repercussão na vida dos funcionários de modo geral. Isso porque a campanha pode não fazer parte da sua “razão de ser” e nem da deles em participar desse propósito “sem escolha”.

Neste caso, podemos dizer que o sucesso é proporcional à participação efetiva de uma rede de interessados? Considerando uma resposta afirmativa, algum sucesso vai depender da participação das redes em que o empreendimento está inserido; formada por clientes, consumidores ou usuários, colaboradores, fornecedores, gestores, investidores, e, principalmente, pela comunidade beneficiada e pela comunidade local onde a empresa está instalada.

Também é importante lembrar que existem formas de ações benevolentes que não resolvem problemas complexos, estruturais, apenas solucionam problemas imediatos sem criar perspectivas de mudança na realidade social de um contexto. Enfim, a nossa consciência e a nossa memória coletiva necessitam de condições “ecossistêmicas interfaciais” para aprender a apreender o conhecimento, e estas condições são criadas a partir do entre cruzamento das redes de informação – a de fora, conceitual, e a de dentro, experiencial – que juntas formam a matriz navegacional.

Retornando ao exemplo citado, imagine agora que o objetivo da ação seja fornecer alimentos para cada pessoa no mundo que sofra com a escassez de alimento – a erradicação da fome no mundo ou porque não um combate à fome especificamente em sua comunidade. Pode imaginar como você reagiria? Quanta energia seria investida nesta ação se você estivesse envolvido com o planejamento de uma ação estruturante? Quanto comprometimento, criatividade, inovação teriam sido geradas com esse tipo de objetivo em mente?

De acordo com sua resposta, no caso de você ter imaginado mais profundamente uma “solução possível” na forma de alternativas para esse problema global, podemos notar como uma mudança de perspectiva pode afetar completamente a cultura de uma empresa, logo, de uma equipe de trabalho!?

Não existe “choque de ordem” que resolva as mazelas sociais “de um dia para o outro”, pois restringir as diferenças à força é uma forma de compressão (opressão) do sistema e faz com que os problemas mais complexos surjam em outro ponto ou mais adiante. Portanto, devemos arrefecer o excesso de experiências improdutivas de determinação, ou seja, o excesso de regras, para permitir que as experiências produtivas de indeterminação, ou seja, as verdadeiras experiências (brincar, relacionar-se, cocriar, coletivar), possam nos ajudar a navegar na “matrix” de uma sustentabilidade através de empreendimentos autoconscientes e complexos, que atuem de fato no âmago do desenvolvimento sociocultural através de uma economia criativa e, acima de tudo, solidária.

Agradecimentos especiais à Christian Dunker e à Rafael Cardoso… pelas narrativas criadas.

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