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Edgar Morin: poesia da razão?

Edgar Nahoum ou Edgar Morin é um reconhecido teórico da complexidade que contribui para uma real interligação das áreas do conhecimento, a fim de que seja elaborada uma proposta que possa redefinir os hábitos sociais e práticas de ensino até então vigentes – teoria apresentada nos quatro livros da série O Método.

Considerando a volumosa obra do escritor, vamos expor algum conteúdo do livro “Amor Poesia Sabedoria” (1998) já que este livro intercepta os labirintos da complexidade através da necessidade de se perseguir a “civilização das ideias” por intermédio do equilíbrio sempre instável que existe entre a prosa e a poesia.

A priori, Edgar Morin (1998, p. 16) embasou etmologicaente a palavra complexo como: “complexus”, “aquilo que se tece em conjunto, para explicar a complementaridade e o antagonismo entre as grandezas do amor-poesia e da sabedoria-racionalidade”. Assim, Edgar Morin (1998, p. 11) delimitou a busca constante por sentido no cotidiano humano, lembrando que “o sentido não provém da exterioridade de nossos seres, mas emerge da participação, da fraternização, do amor”. Segundo o filósofo (MORIN, 1998, p. 10), “amor e poesia, quando concebidos como fins e meios do viver, dão plenitude de sentido ao “viver por viver””. “Então podemos dizer que o amor, simultaneamente, precede da palavra e precede a palavra, decorrendo da linguagem” (MORIN, 1998, p. 17). Diante da ideia de desafio, sustentou Edgar Morin (1998, p. 29), “é bom saber que há o risco do erro ontológico, da ilusão, e que o absoluto é, simultaneamente, o incerto”.

Seguindo a análise do mito na complexidade histórica, podemos dizer que somos indivíduos produzidos por processos que nos precederam, ou, de acordo com Edgar Morin (1998, p. 29), “somos possuídos por coisas que nos ultrapassam e que irão além de nós, mas, de certo modo, também somos capazes de possuí-las”. Detalhando essa informação, isso quer dizer que nós somos criaturas em busca de autonomia no complexo universal e criadores de um controle limitado das forças que compõem o infinito sistema de forças ressonates – uma poesia da razão?!

Edgar Morin (1998, p. 27) é um importante crítico da instituição de uma “verdade histórica” que considera o mito como “um epifenômeno superficial e ilusório, incluindo-se entre aqueles que acreditam na profundidade antropossocial do mito, ou seja, em sua realidade”.

De forma crítica, Morin pensa que o controle científico compreende apenas um pequeno conjunto da complexidade universal, e, a cada vez que são feitas novas descobertas, ao invés de esclarecer e selar uma verdade, absolutamente são criadas novas ondas de possibilidades. “Demo-nos conta de que o real, que parecia tão sólido e evidente, dissipou-se sob o olhar da microfísica, e que, do ponto de vista do cosmos, o tempo e o espaço, que pareciam tão distintos, se misturaram”, complementou Edgar Morin (1998, p. 42). Concordando com sua visão, podemos considerar que a descoberta científica não passa de uma comprovação da nossa ignorância e irrelevância do ponto de vista dos fenômenos da astrofísica que, de alguma forma, se conectam com a poética da incompreensão através do limitado domínio linguístico humano.

Essa abertura à complexidade, se podemos chamar assim, é um primeiro mapeamento da energia didática que reúne informações sobre a própria consciência em estado de reconhecimento, fato que, de certa maneira, “cria um diálogo entre a ciência e a poesia – isso porque a ciência nos revela um universo fabulosamente poético ao redescobrir problemas filosóficos capitais”, assim entendeu Edgar Morin (1998, p. 41). Não porque a racionalidade seja desnecessária, mas porque ela se revela por outros substantivos aparentemente libertos da lógica, como por exemplo, a afetividade, que pode ser vista como uma colaboradora direta do desenvolvimento da inteligência. “Quando retroagimos para aquém da humanidade, surpreendemo-nos pelo fato de que o desenvolvimento da inteligência entre os mamíferos (capacidade estratégica de conhecimento e ação) encontra-se estreitamente correlacionado com o desenvolvimento da afetividade”, pensou Edgar Morin (1998, p. 52).

Nesse sentido, devemos contribuir de alguma forma para a interligação dos saberes sem que os processos burocráticos fragmentem ainda mais a visão de cultura, sociedade e meio ambiente, caso contrário, a incapacidade para articular os diferentes conhecimentos de forma integrada para enfrentar as complexidades nos levrá à um agravamento da cegueira coletiva.

Abaixo segue um fichamento do Livro:
(p. 10) Nosso cotidiano vive sempre em busca de sentido. Mas o sentido não é originário, não provém da exterioridade de nossos seres. Emerge da participação, da fraternização, do amor. O sentido do amor e da poesia é o sentido da qualidade suprema da vida. Amor e poesia, quando concebidos como fins e meios do viver, dão plenitude de sentido ao “viver por viver”.

(p. 11) Tudo isso implica endossar a tensão dialogal, que mantém permanentemente a complementaridade e o antagonismo entre amor-poesia e sabedoria-racionalidade.

(p. 16) A palavra complexo deve ser entendida em seu sentido literal: complexus, aquilo que se tece em conjunto.

(p. 17) pode-se dizer que o amor decorre da linguagem… O amor, simultaneamente, precede da palavra e precede a palavra.

(p. 22) A possessão física que decorre da vida sexual reencontra a possesão psíquica oriunda da vida mitológica. Aí reside o problema do amor: somos duplamente possuídos e possuímos o que nos possui, considerando-o, física e miticamente, como nosso próprio bem.

(p. 23) O amor é filho de cinganos, é “enfant de bohéme”.

(p. 27) Sob ângulo da razão fria, o mito sempre foi considerado como um epifenômeno superficial e ilusório… Incluo-me entre aqueles que acreditam na profundidade antropossocial do mito, ou seja, em sua realidade… levar a razão a seus limites máximos conduz ao delírio.

(p. 29) Diante da ideia de desafio, é bom saber que há o risco do erro ontológico, da ilusão, e que o absoluto é, simultaneamente, o incerto.

(p. 29) Somos indivíduos produzidos por processos que nos precederam; somos possuídos por coisas que nos ultrapassam e que irão além de nós, mas, de certo modo, somos capazes de possuí-las.

(p. 36) Poesia-prosa constituem, portanto, o tecido de nossa vida.

(p. 37) Em nossas sociedades contemporâneas ocidentais, operou-se uma disjunção entre os estados da prosa e da poesia. Houve duas rupturas. A primeira ocorreu a partir da Renascença, quando se desenvolveu uma poesia cada vez mais profana. Ocorreu, igualmente, a partir do século XVII, uma outra dissociação entre uma cultura dita científica e técnica e uma cultura humanista, literária, incluindo a poesia. Foi a partir dessas duas dissociações que a poesia autonomizou-se e tornou-se estritamente poesia. Separou-se da ciência, da técnica e, evidentemente, separou-se da prosa.

(p. 38) Em nossa cultura ocidental, tanto a poesia quanto a cultura humanista foram relegadas. Relegadas no lazer e no divertimento, relegadas por adolescentes e por mulheres, transformaram-se, de algum modo, num elemento inferiorizado em relação à prosa da vida.

Houve duas revoltas históricas da poesia. A primeira foi a do romantismo, principalmente o de origem alemã. Representou a revolta contra a invasão da prosaidade, do mundo utilitário, do mundo burguês, que se desenvolveu no início do século XIX.

A segunda revolta foi a do surrealismo, cuja ocorrência pode ser situada no século XX. O surrealismo representou a recusa da poesia em se deixar reduzir ao poema, quer dizer, a uma pura e simples expressão literária. Não se trata de uma negação ao poema… mas a ideia surrealista é a de que a poesia extrai sua fonte da vida, com seus sonhos e acasos. O que ocorreu, então, foi uma desprosaização da vida cotidiana, que começou com Arthur Rimbaud…

(p. 41) A descoberta de nossa situação de perdição num gigantesco cosmos adveio das descobertas da astrofísica. Isso significa que, atualmente, é possível um diálogo entre a ciência e a poesia, e isso porque a ciência nos revela um universo fabulosamente poético ao redescobrir problemas filosóficos capitais…

(p. 42) Demo-nos conta de que o real, que parecia tão sólido e evidente, dissipou-se sob o olhar da microfísica, e que, do ponto de vista do cosmos, o tempo e o espaço, que pareciam tão distintos, se misturaram.

(p. 43) A verdadeira novidade nasce sempre de uma volta às origens.

(p. 52) Quando retroagimos para aquém da humanidade, surpreendemo-nos pelo fato de que o desenvolvimento da inteligência entre os mamíferos (capacidade estratégica de conhecimento e ação) encontra-se estreitamente correlacionado com o desenvolvimento da afetividade… Em resumo, a multiplicidade da afetividade contribui para o desenvolvimento da inteligência.

(p. 55) a racionalidade pesquisa e verifica a adequação entre o discurso e o objeto do discurso, mas a racionalização se fecha em sua lógica. Freud, porém, denominava”racionalização” a esta forma de delírio que, a partir de um postulado ou de uma constatação limitada, tira consequências lógicas e absolutas, perdendo, nesse processo, o suporte empírico… A racionalidade, em contrapartida, é aberta. Ela aceita que suas próprias teorias sejam “biodegradáveis”, que possam eventualmente ser superadas por argumentos ou acontecimentos que as contradigam.

(p. 56) Foi essa racionalidade que permitiu aos antropólogos ocidentais se darem conte de que as culturas ditas primitivas não eram apenas uma rede de superstições, mas podiam comportar, igualmente, sabedorias e verdades profundas estritamente interligadas.

(p. 59) Prosa e poesia eram intimamente entrelaçados nas sociedades arcaicas. Por exemplo, antes de partir em expedição ou no momento da colheita, havia ritos, danças, cantos. Encontramo-nos em uma sociedade que tende a disjuntar prosa e poesia e na qual há uma imensa ofensiva da prosa ligada ao desenvolvimento técnico, mecânico, gélido, cronometrado em que tudo se paga, tudo é monetarizado… Em resumo, a poesia é a estética, o amor, o gozo, o prazer, a participação e, no fundo, a vida!

(p. 66) Assumo mesmo a contradição entre uma curiosidade que me leva à dispersão e a necessidade de me reconcentrar para produzir o fruto de minha experiência e de meu pensamento, quer dizer, O Método. Por um lado, digo a mim mesmo que tenho necessidade de pensamento complexo – e sei que isso é racional… Mas ate que ponto minha necessidade de conhecimento é ela mesma racional?

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