O Fenômeno Coletivo
Em princípio parece simples explicar para as pessoas o que é um coletivo de pessoas. No entanto, isso na prática costuma ser uma tarefa complicada, já que o fenômeno dos coletivos que está ocorrendo neste início de século é recente e ainda encontra-se em fase de consolidação.
Como membro do Coletivo Expurgação, eu sinto a necessidade de informar os curiosos e os interessados de que esses coletivos são reais, que difundem cidadania e movimentam a economia, e que não são uma tendência passageira.
Se pensarmos em uma origem para o surgimento dessa gravidade coletiva, devemos considerar que coletivo é uma antiga forma de organização instintivamente voltada para a adaptação, utilizada por muitos animais, e que agora está sendo continuada pela humanidade graças à nossa ligeira evolução, graças ao nosso domínio linguístico e, finalmente, graças à nossa inteligência afetiva. De acordo com o filósofo e antropólogo francês Edgar Nahoum (1998, p. 52), “surpreendemo-nos pelo fato de que o desenvolvimento da inteligência entre os mamíferos (capacidade estratégica de conhecimento e ação) encontra-se estreitamente correlacionado com o desenvolvimento da afetividade”.
O substantivo coletivo, de acordo com o dicionário, significa um conjunto de indivíduos que formam uma unidade em relação a interesses, sentimentos ou ideais comuns, por exemplo, um coletivo de artistas. Podemos encontrar designers, comunicólogos, músicos, engenheiros, cozinheiros, pessoas… e artistas em um coletivo, principalmente quando estamos tratando de um coletivo de artistas. Isso quer dizer que coletivo, independente da sua natureza e antes de tudo, é um espaço psicobiológico que suporta a expressão de uma pessoa (unidade consciente) para outras pessoas, de maneira franca, fraternal e colaborativa.
Esse espaço coletivo nos permite experimentar mais, também nos dá força para harmonizar a monotonia e o caos da vida hipermoderna (LIPOVETSKY, 2007). Assim surge a cultura do coletivo, assim forma-se uma unidade na variedade, assim entendemos que podemos trabalhar como um organismo, em harmonia com o ambiente de criação.
Existem diversos segmentos coletivos espalhados pelo mundo, e muitos deles estruturaram uma rede de empreendimentos sólidos chamados de “arranjos criativos locais” ou “clusters criativos” das “cidades criativas”, que estão trabalhando, sobretudo, aspectos culturais da sociedade através da realização de projetos inovadores e sensibilizantes. O termo “economia criativa” também estabelece contato com esse novo universo produtivo, através de iniciativas públicas e privadas interessadas em investir neste novo setor da economia que contempla os coletivos.
Charles Landry, escritor do livro The Creative City: A Toolkit for Urban Innovators”, introduziu o termo “cidade criativa” no final da década de 1980, em resposta às mudanças econômicas e sociais dramáticas que estavam acontecendo naquele momento. De acordo com Landry (2011, p. 14), uma cidade criativa estimula a inserção de uma cultura de criatividade, no modo como se participa da cidade; ao incentivar a criatividade e legitimar o uso da imaginação nas esferas público, privada e da sociedade civil, amplia-se o conjunto de ideias de soluções para qualquer problema urbano. Segundo Landry (2011, p. 14), esse é o pensamento divergente, que gera múltiplas opções e deve ser alinhado ao pensamento convergente, que fecha as possibilidades, a partir das quais as inovações urbanas que se mostrarem viáveis podem emergir.
O co-fundador e produtor da Cúpula Cidades Criativas e especialista em desenvolvimento comunitário e participação popular, Peter Kageyama (2011, p. 56), afirma que “uma cidade torna-se criativa por um conjunto de muitos, normalmente milhares de pequenos atos: uma obra de arte pública, um banco confortável, uma cafeteria local, uma árvore bem localizada, um edifício, um bar delicioso, uma banda musical fantástica, uma rua onde adolescentes tentam novas manobras de skate”. Segundo Kageyama (2011, p. 56), “a cidade se torna criativa ao dar vazão a um conjunto de condições, por meio das quais esses pequenos atos podem acontecer e vão se somando mais rápido do que os problemas que lhes fazem de contra-ponto”.
Embora o “pensar e fazer” coletivo tenha ganhado visibilidade nas dimensões política, econômica e social, o conceito de criatividade ainda encontra dificuldades para romper as barreiras tecnicistas do sistema produtivo global, visto que a criatividade é muitas vezes confundida com uma virtude divina de um indivíduo criativo. De certa forma, o indivíduo criativo está ligado a ideia de “gênio”, mas quais serão as invenções de um gênio se o contexto em que ele vive for hostil e limitante? Se Albert Einstein tivesse nascido e vivido em uma aldeia indígena no coração da Amazônia, como ele poderia fazer as descobertas que o eternizaram? Como Leonardo da Vinci poderia criar e por em prática suas ideias se não tivesse sido influenciado por seus mestres, Lourenço de Médici e Andrea del Verrocchio? O que Galileu Galilei poderia descobrir sem o uso de um telescópio?
Sendo assim, a criatividade não é uma habilidade inoculada na mente de poucas pessoas, ao contrário disso, surge das relações que o indivíduo desenvolve com o meio e com as outras pessoas, ou seja, a criatividade é uma consequência proporcional à dimensão cultural em que uma pessoa está situada. Portanto, as redes coletivas têm esse papel de mostrar para a sociedade que só há uma maneira de sermos criativos e inovadores: através do “pensar e fazer” coletivo.