Mesa Reconecta
Realizado pelo Lab.Muy – Arte y Cultura Digital, o Festival cultural Reconecta aconteceu em diversos pontos da cidade de Vitória-ES, do centro à periferia, entre os dias 03 e 06 de março de 2016. A abertura do Reconecta foi apresentada por uma mesa de debate que reuniu produtores culturais, autoridades públicas, artistas e profissionais envolvidos com a cena cultural capixaba.
Assim, o espaço do Theatro Carlos Gomes foi ocupado para discutir “a cultura como gatilho das transformações do Brasil”, com a participação do Secretário de Estado da Cultura do ES, João Gualberto, do Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura (SPC/MinC), Guilherme Varella, Eliane Dias, produtora dos Racionais MCs, Fabio Malini, coordenador do Labic/UFES, mediados pela jornalista e escritora Ana Laura Nahas, ex-secretária de cultura de Vitória.
O Secretário João Gualberto concentrou a sua fala na gestão cultural que pretende investir em áreas de risco social como forma de arrefecer as diferenças sociais existentes entre as diversas territorialidades do Espírito Santo. Assim, a cultura foi colocada como uma dimensão estratégica para reverter o processo de desinstitucionalização que contribui para a desagregação social. No entanto, essa tarefa foi tratada mais como um desafio em fase de planejamento do que como uma realidade.
Já o Secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Guilherme Varella, disse que o MinC sofre com o preconceito político, que restringe a cultura ao próprio ciclo lógico da “cultura pela cultura”, sem considerar que os limites culturais são muito mais amplos e transversais. É como se fosse necessário argumentar sempre sobre a importância do papel da cultura e da economia criativa para a retomada do crescimento econômico e desenvolvimento social do Brasil.
Mais uma vez, a tarefa foi encarada como um desafio para o MinC que tenta inserir a cultura na agenda estratégica dos demais Ministérios e governos. A primeira meta do Plano Nacional de Cultura (PNC) é concretizar a implementação dos planos de cultura 100% dos estados e 60% dos municípios. Segundo Guilherme Varella, um dos benefícios será a transferência fundo a fundo, entre o Governo Federal, estados e municípios. Mas para isso, será preciso manter os dados atualizados no Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais (SNIIC), e definir as competências de cada representação.
Sobre os Arranjos Produtivos Locais (APL), Guilherme Varella disse ter recebido os encaminhamentos feitos pelos APLS de economia criativa ao final de 2015, durante o I Encontro de Territórios Criativos, que aconteceu em Brasília, e que está buscando formas mais efetivas de integração desses arranjos ao planejamento do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). O potencial que o Brasil tem para exportar definitivamente seus ativos culturais é um atrativo para envolver mais o MDIC.
Perguntado sobre o recolhimento do Condecine (contribuição destinada ao financiamento das atividades da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual – FSA), ameaçado pelo SindiTelebrasil (Sindicato Patronal das Empresas de Telecomunicações), Guilherme Varella tranquilizou dizendo que é uma questão de negociação – provavelmente sobre o aumento da contribuição, que foi de 28,5% em 2016.
Eliane Dias, produtora dos Racionais MC, destacou a importância da educação no processo de transformação social e o papel estratégico da cultura na constituição de direitos e cidadania, geração de renda e autonomia da população negra e GLBT, por exemplo. Eliane Dias citou o Prouni como um relevante mecanismo de acesso à informação e capacitação profissional.
Segundo Eliane Dias, o Hip-hop é um ativo cultural que gera sustentabilidade e que poderia se desenvolver mais, caso os meios de comunicação não fossem exclusivistas. Nesse ponto, o Brasil está devendo uma mídia mais democrática, já que principalmente os parlamentares são donos dos meios de comunicação que operam por meio de concessões negociadas, e que não dão espaço para os trabalhos independentes – assim o povo não é soberano!
Fabio Malini proferiu um belo discurso de reaproximação pessoal com o campo cultural, fazendo uma crítica ao sistema de exploração cultural que produz uma cultura exclusivista ligada, na maioria das vezes, à estratégias de marketing das grandes corporações. Com muita propriedade, Fabio Malini tratou dos processos produtivos que fazem da metrópole o novo pátio industrial da sociedade, composto por territórios físicos e tecnológicos que ainda não são entendidos como uma dinâmica de desenvolvimento cultural. Um exemplo levantado por Fabio Malini, é o confinamento de uma geração de jovens aos espaços controlados dos shoppings que perpetuam uma visão de cidadania baseada no acesso ao consumo de produtos efêmeros.
Logo, a tecnopolítica, termo colocado por Fabio Malini, deve ser um vetor de desenvolvimento para a sustentabilidade que dê autonomia ao cidadão e que, de outra maneira, atinja seu principal objetivo prático: fazer governar obedecendo – o fim da política de coalisão.
Além dos convidados das mesas, participantes da plateia apresentaram questões decisivas, a exemplo do professor Orlando Lopes, do Centro de Ciências Humanas e Naturais da UFES. Orlando Lopes questionou o conceito de cultura em relação ao tratamento homogêneo que lhe é dado, colocando em um mesmo plano a cultura de massa e a cultura popular. Também ressaltou a ineficiência da atuação do MinC no Espírito Santo pelo fato de não haver aqui uma base ou um representante próprio – que torna o capixaba dependente da representação do MinC no Rio de Janeiro. Por fim, Orlando comentou a falta de alinhamento entre secretarias e instituições que tratam da economia criativa, ou seja, os planejamentos não estão integrados.
Gustavo Badaró, atuante no Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santo (Iases), colocou a necessidade da criação de centros de referência para a juventude como solução imediata para dar acesso à informação e oportunidades aos jovens que vivem em risco social. Gustavo Badaró destacou que a inclusão social pode ser induzida pela aproximação de profissionais criativos com os jovens, de modo que seja possível influenciar esses jovens a seguirem pelos caminhos da cidadania, arte e cultura.
Infelizmente faltou à mesa um representante da Prefeitura de Vitória. A mediadora Ana Laura, que no início de 2016 deixou o comando da Secretaria de Cultura de Vitória (Semc), preferiu não comentar sobre a “reestruturação” da Semc.
A mesa de abertura do Reconecta mostrou que há uma sinergia da cadeia produtiva cultural capixaba no que diz respeito às conquistas políticas que devem ser alcançadas no Espírito Santo. De outra forma, também foi uma oportunidade criada pelo Lab.Muy para que haja sintonia entre o Governo Federal e o Governo Estadual capixaba que precisa fazer o seu “dever de casa”.