Coletividade estratégica
A necessidade institucional de compreensão dos modelos coletivos, que são considerados criativos ou artísticos, é um indicativo de que a crise global arrasta mudanças que vão muito além das dimensões econômica e política.
Se por um lado a estabilidade social é impactada negativamente por intervenções governamentais e privadas, por outro lado o processo de decantação cultural influenciado por vícios de mercado (por exemplo o dumping) é agitado por movimentos civis que buscam contribuir para uma sociedade mais justa.
Esses movimentos não são uma novidade. Um exemplo são as vanguardas modernistas européias, que já experimentaram modelos semelhantes com uma grande dose de idealismo. Inclusive, influenciaram o surgimento no Brasil do Movimento Modernista e do Movimento Concretista, que por sua vez se apropriaram dos símbolos da indústria para servir à arte. No entanto, o atual contexto dispensa idealismos, movimentos isolados e promoção de sumidades. Exige colaboração!
Sendo assim, os coletivos criativos da hipermodernidade são redes de relações sociais que são convertidas em experimentação, trabalho e crítica. Na maioria dos casos, essas redes adquirem um modo de produção cooperativo e recíproco, com valores e regras próprios (carta de princípios e regimento) que proporcionam confiança e dinâmica às ações coletivas. Mas esses coletivos também são uma reação em cadeia provocada pela ausência de espaços simbólicos para a sociedade, pela dificuldade de acesso ao mercado e pela falta de instrumentos jurídicos que protejam a diversidade cultural (atributos materiais e espirituais) criando capital cultural (instrumentos de estruturação do conjunto simbólico) para a distribuição e exibição dos resultados.
Portanto, em diversas regiões do planeta e, sobretudo, no Brasil estão surgindo pessoas que investem em qualidade e interação para formar empreendimentos coletivos que flutuam entre a economia solidária (autogestão horizontal) e a economia criativa (baseada na propriedade intelectual). A informalidade sustentada pela tecnologia é um dos fatores que favorecem a interação entre os agentes coletivos nos domínios da cultura livre digital propagada pela rede distribuída. Como podemos observar, o modelo coletivo é sugerido pelas redes de relacionamento (Facebook, Twitter), pelas plataformas digitais de engajamento e cooperação (a exemplo do site Catarse.me), pelas empresas do ramo do crowdfunding (financiamento coletivo) e pelas ferramentas de edição e compartilhamento de arquivos (Google Disco). Discutivelmente, podemos modelar um coletivo utilizando os pacotes de serviços oferecidos pelas mesmas empresas que tentam se organizar para tomar a hegemonia da internet (o controle do download).
Contudo, a existência de um espaço físico que possa ser frequentado pelos integrantes de um coletivo ou por diversos coletivos (intercâmbios) é de suma importância para o aprimoramento do conhecimento e para o desenvolvimento de habilidades generalistas e, principalmente, especializadas. A convivência fortalece o senso de pertencimento ao coletivo (coletivo humanidade) e pode materializar ideias voláteis que surgem durante as trocas de saber técnico e criativo, uma vez que o ambiente tende à interdisciplinaridade e à experimentação poética. Ainda, essa forma de organização social incentiva a circulação e o compartilhamento de bens e de serviços entre a própria rede, ensina regras de convivência em grupo e, por fim, alimenta a filosofia e o conhecimento enciclopédico através de pesquisas e discussões plurais.
Felizmente, modelos de coletivos criativos surgiram no Espírito Santo de forma natural e informal, como era de se esperar. Aos poucos estão adquirindo contornos interessantes para a estruturação de empreendimentos diferenciados que fortalecem a cidadania através de colaborações coordenadas, capazes de cumprirem metas a priori inatingíveis. Os maiores obstáculos para esses coletivos são a criação de infraestrutura básica para concentrarem a produção cultural, seguido do fomento à pesquisa e do incentivo à formação de empreendedores. Claro, isso faz mais sentido se houver investimento em banda larga para excitar a produção cultural.
Embora nos últimos anos a política assistencialista tenha gerado a oportunidade de fomentar a cultura na nova classe média, o marketing cultural ainda é uma realidade a ser trabalhada através de parcerias ilimitadas, troca de serviços e estímulo à criação de novos coletivos, a fim de que seja produzido um fluxo potente de comunicação e informação, tão intenso que poderá reeducar a atividade industrial e governamental e, simultaneamente, transformar os hábitos da sociedade do consumo.
(Texto de Raphael Gaspar publicado no Jornal A Gazeta, Caderno Pensar, em 15 de dezembro de 2011)